Os Sofistas
O século de Péricles estende-se entre 440-404 a.C. É o período da hegemonia ateniense, a democracia triunfa. A situação política e social de Atenas explicará esse movimento. A aristocracia de nascimento será substituída pela da riqueza e esta pela democracia emergente.
Essas mudanças provocam conseqüências de valor moral e filosófica. Percebeu-se que as leis não eram de origens divinas, como até então haviam sido forjadas, mas de origem humana, uma vez que eram instáveis. Já não mais se questionava, como nos Pré-socráticos: Qual é a origem de todas as coisas? Como um único princípio pode dar origem á multiplicidade das coisas? Como aquilo que permanece sempre jovem, imortal e idêntico a si mesmo pode dar origem ao que é diferente dele, perecível e múltiplo? Como o uno dá origem ao múltiplo? Como e por que as coisas se movem? Como o imutável pode dar origem ao mutável? Como o múltiplo retorna ao uno? e sim: “Qual é para o homem o melhor meio de tirar proveito das condições em que se encontra e viver feliz, honrado, estimado? Como conseguir desempenhar um papel no Estado? Como proceder para convencer seus semelhantes? Como fazer adotar suas razões, suas idéias?"
Agora temos uma nova areté: a educação do homem grego na Cidade-Estado – o cidadão. O homem grego agora precisa estar preparado para ser cidadão. Ele precisa ser preparado para a vida prática, para vida política. Surge os sofistas.
Não era do interesse dos sofistas meditar sobre o ser como os eleatas, ou sobre a natureza como os físicos da Jônia. São educadores profissionais, estrangeiros itinerantes que comerciam seus conhecimentos, sua sabedoria, sua cultura, suas competências. São essencialmente homens que sabem obrar politicamente. São homens de poder, poder da palavra, homens que sabem como persuadir, como encantar uma platéia através de seus discursos. Estão à serviço da democracia grega nascente. São mestres na linguagem sob todas as formas, da lingüística (morfologia[1], gramática, sinonímia[2]) à retórica (estudo dos tropos[3], das sonoridades, da pertinência do discurso e de suas partes). São mestres da arte da educação do cidadão. São técnicos e professores de técnicas. Eram conhecidos como sophistés e esse substantivo era sempre acompanhado de um adjetivo, deinós, que significa formidável, maravilhoso, espantoso, terrível, amedrontador. Associado a sophistés, deinós é alguém que espanta e causa admiração por sua habilidade para inventar estratagema ou para argumentar.
Os sofistas eram peritos, especialistas na arte necessária aos membros de uma democracia: a arte da palavra. E cobravam pelos seus serviços. Seu profissionalismo foi duramente criticado por dois grupos: o grupo dos oligarcas ligados á aristocracia e o grupo ligado à Sócrates.
Eles ensinavam a arte de argumentar e persuadir. Essas técnicas eram fundamentais para o bom desempenho da cidadania ateniense. Os oligarcas diziam: ser cidadão é algo por natureza, a virtude cívica é inata. Os sofistas que eram estrangeiros não poderiam ensinar algo que já nascia com os atenienses. A real preocupação da aristocracia era perder espaço nas assembléias para as outras classes sociais já que agora elas poderiam discursar com mais propriedades nas assembléias, angariando votos e contrariando os interesses aristocráticos.
A crítica dos socráticos: os sofistas trabalham apenas com opiniões contrárias, ensinando a argumentar persuasivamente tanto em favor de uma como de outra, dependendo de quem está lhe pagando (seu ensino é apenas venal[4]), não importando e nem interessando a verdade (alétheia), que é sempre igual a si mesma e a mesma para todos. Sendo professores de opiniões (dóxa), oferecem um ensino prático, do qual pode retirar um proveito material. Recebendo dinheiro, o sofista perdia a liberdade de pensamento, sendo obrigado a conviver com quem quer que lhe pagasse e a ensinar o que lhe fosse exigido; mas a verdadeira sabedoria é algo que deve ser livremente compartilhado, e apenas entre amigos, entre os iguais, assim pensavam os socráticos.
O que traziam na bagagem:
1 – traziam todo o debate e toda a crise da filosofia decorrente das aporias criadas pela oposição irreconciliável entre o ser (eleata) e o devir (heraclitiano).
2 – os que viam da Jônia conheciam um saber também novo como a filosofia: a história, inventada por Heródoto de Halicarnasso. A história leva os sofistas à percepção das variações entre os povos, leis, costumes e idéias e a não dar valor absoluto aos costumes, leis e idéias dos gregos. Por isso estavam pouco dispostos a aceitar que costumes e leis fossem obra da natureza, pois a variação indica que são convenções humanas.
3 – o conhecimento sobre a medicina. Sabiam que a medicina se originara não de um presente dos deuses, mas de um esforço dos humanos que começara quando buscavam humanizar-se, diferenciando-se dos animais selvagens. A medicina é uma arte ou técnica fundada na observação e na experimentação. A medicina não separa corpo e alma, ela dá enorme importância à palavra, tanto para realizar a anamnese como para persuadir o doente a aceitar o tratamento e cooperar com a ação do médico, o qual, portanto, para agir sobre o corpo do paciente, precisa também agir sobre sua alma. Não por acaso, Empédocles, filósofo e médico, foi considerado o inventor da eloqüência. O modelo da medicina, particularmente as idéias da medida-moderação e da palavra doce e persuasiva do médico, será decisivo na formulação das idéias sofísticas.
4 – traziam a herança de alguns filósofos que haviam desenvolvido certos procedimentos de argumentação baseados na idéia de que ser, pensar e dizer são o mesmo. Heráclito e Zenão inventaram a dialética; Parmênides inventou a lógica; Empédocles inventou a eloqüência. Em suma, os pré-socráticos haviam desenvolvido, sem teorizar a respeito, maneiras de lidar com a linguagem ligadas á persuasão, à discussão, ao debate, à argumentação. Transformando essas maneiras em técnicas de linguagem, os sofistas chegaram a Atenas com os fundamentos da arte retórica na bagagem.
5 - trouxeram a técnica dos dissói logói – técnica de defender a favor de uma tese e logo depois defender contra a mesma tese. Transformaram a eloqüência em retórica, num combate de palavras.
Nómos e phisis
Os sofistas despertam nos atenienses um interesse maior pela dialética e pela retórica, as dúvidas quanto à pretensão da filosofia de conhecer a verdade última das coisas e as discussões sobre a diferença entre o nómos (a convenção, que depende de uma decisão humana) e a phýsis (a natureza, cuja ordem necessária independe da ação humana), optando pelo primeiro contra a segunda.
Nómos (a convenção acordada por um grupo e que se torna lei para esse grupo) deriva de nomós (divisão do território em distritos e regiões) e por isso seu primeiro significado é “aquilo que é atribuído numa partilha” e “aquilo de que se faz uso”;partindo deste último significado, nómos passa a significar os usos ou costumes, e daí, opinião geral ou máxima aceita por todos, o costume com força de lei ou a lei não-escrita, a lei costumeira.
A lei é por natureza ou por convenção? Em Atenas os oligarcas e os democratas eram partidos antagônicos, pois tais questões acirram suas rivalidades. Se a lei for por natureza (phýsis), não depende da decisão humana e é inviolável; se for por convenção (nómos), pode ser alterada e mesmo transgredida.
Os oligarcas acreditavam ser autóctones, nascidos da própria terra por obra da natureza, logo, as leis seriam naturais (phýsei). Dizer que um uso, um valor ou uma lei são por natureza é dizer que são necessários, absolutos, perenes[5] e, por isso mesmo, superiores ao que é por nómos, pois a vontade dos homens é variável, relativa e inconstante. Assim, os aristocratas podiam considerar suas leis superiores às da democracia, cuja origem humana todos conheciam.
Os sofistas defendiam o nómos dos democratas, pois eram formados no conhecimento da história e na explicação médica sobre o processo de humanização do homem por meio dos costumes. Afirmavam que o costume e a lei não-escrita não são por natureza ou naturais, mas são nómos, isto é, por convenção, e por isso relativos a cada sociedade. Tanto a aristocracia quanto, a democracia são convenções social e humana e não uma instituição natural ou divina.
Pensavam os sofistas: tudo é por convenção, tudo pode ser ensinado, o que seria impossível se já trouxéssemos em nós, de modo inato ou por natureza, todas as habilidades, leis, idéias, normas e costumes. Assim sendo, a virtude pode ser considerada uma convenção social. A areté é nómos e por isso pode ser ensinada.
A retórica
Para os sofistas a retórica é uma tékhne rhetoriké, é a arte de persuadir oferecendo as razões ou os argumentos e definições de uma coisa, tendo como base não o que a coisa seria em si mesma ou por natureza,
mas tal como ela nos parece e nos aparece e tal como nos será útil. Ou seja, a retórica parte de nossas opiniões sobre as coisas e nos ensina a persuadir os outros de que nossas opiniões sobre as coisas é a melhor. A arte de persuasão opera com o pressuposto de que as opiniões, porque são opiniões, são conflitantes e contraditórias e, portanto, para realizar-se, a persuasão precisa da dialética, isto é, do confronto de argumentos contrários, os dissói logói. A retórica, arte da persuasão, apóia-se na dialética, arte da discussão. A retórica é por excelência uma arte democrática que não se propaga numa tirania – a tirania impõe a opinião de um só; a retórica pressupõe o direito de todos à opinião. A tirania usa a força; a retórica, argumentos.
O que ensinavam:
Se designavam professores de dialética e retórica.
Com a dialética ensinavam: a dizer sim e não para a mesma questão. A defender e a atacar o mesmo assunto com argumentos igualmente fortes;
Com a retórica ensinavam: a encontrar expedientes[6] verbais e emotivos para fortalecer um argumento, fazendo-o melhor ou o mais persuasivo, superior aos de outros.
Os sofistas se interessavam pelos aspectos gramaticais e lógicos da linguagem e pela correção no uso das palavras para que a denominação das coisas fosse sempre correta e melhor.
1 - das idéias desenvolvidas pelos médicos: de que a persuasão deve atingir primeiro o sentimento ou o coração do ouvinte, e somente depois a razão.
2 - ensinavam a inventar ou encontrar figuras de linguagem poderosas – as metáforas;
3 – a falar: com ritmo (como os poetas); com graça (como os atores); e elegância (como os grandes políticos e magistrados)
4 – empregavam a música (tanto para ensinar o ritmo das palavras numa sentença como para acompanhar o discurso comovente)
5 – a dança (tanto para ensinar gesticulação e postura corporal como para acompanhar certos tipos de discursos)
6 – ensinavam exercícios para fortalecer a memória (pois um bom orador deve falar sem ler);
7 – ensinavam dicção (para que fossem bem entendidos por aqueles que os escutassem).
Os sofistas eram muito individualistas para admitir um mestre fundador, por isso não pertenciam a escola alguma. Tinham em comum as técnicas de argumentação, o profissionalismo, o convencionalismo e o ceticismo quanto à pretensão da filosofia de conhecer a phýsis como realidade originária e verdade última de todas as coisas.
Principais sofistas[7]:
Protágoras de Abdera, viveu entre 480-408 a.C.; Górgias de Leontini, viveu entre 483-375 a.C.;
Outros:
Antifon; Hípias de Elis; Pródico de Céos; Crítias; Licofon; Trasímaco de Calcedônia; Eutidemo e Dionisodoro (estes são os fundadores da erística[8])
Bibliografia
BÉRGSON, Henri. Cursos sobre a Filosofia Grega. SP. Martins fontes, 2005.
CASSIN, Bárbara. Ensaios sofísticos. SP, Ed. Siciliano,1990.
CHAUÍ, Marilena. Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. SP, Companhia das Letras, 2002.
O século de Péricles estende-se entre 440-404 a.C. É o período da hegemonia ateniense, a democracia triunfa. A situação política e social de Atenas explicará esse movimento. A aristocracia de nascimento será substituída pela da riqueza e esta pela democracia emergente.
Essas mudanças provocam conseqüências de valor moral e filosófica. Percebeu-se que as leis não eram de origens divinas, como até então haviam sido forjadas, mas de origem humana, uma vez que eram instáveis. Já não mais se questionava, como nos Pré-socráticos: Qual é a origem de todas as coisas? Como um único princípio pode dar origem á multiplicidade das coisas? Como aquilo que permanece sempre jovem, imortal e idêntico a si mesmo pode dar origem ao que é diferente dele, perecível e múltiplo? Como o uno dá origem ao múltiplo? Como e por que as coisas se movem? Como o imutável pode dar origem ao mutável? Como o múltiplo retorna ao uno? e sim: “Qual é para o homem o melhor meio de tirar proveito das condições em que se encontra e viver feliz, honrado, estimado? Como conseguir desempenhar um papel no Estado? Como proceder para convencer seus semelhantes? Como fazer adotar suas razões, suas idéias?"
Agora temos uma nova areté: a educação do homem grego na Cidade-Estado – o cidadão. O homem grego agora precisa estar preparado para ser cidadão. Ele precisa ser preparado para a vida prática, para vida política. Surge os sofistas.
Não era do interesse dos sofistas meditar sobre o ser como os eleatas, ou sobre a natureza como os físicos da Jônia. São educadores profissionais, estrangeiros itinerantes que comerciam seus conhecimentos, sua sabedoria, sua cultura, suas competências. São essencialmente homens que sabem obrar politicamente. São homens de poder, poder da palavra, homens que sabem como persuadir, como encantar uma platéia através de seus discursos. Estão à serviço da democracia grega nascente. São mestres na linguagem sob todas as formas, da lingüística (morfologia[1], gramática, sinonímia[2]) à retórica (estudo dos tropos[3], das sonoridades, da pertinência do discurso e de suas partes). São mestres da arte da educação do cidadão. São técnicos e professores de técnicas. Eram conhecidos como sophistés e esse substantivo era sempre acompanhado de um adjetivo, deinós, que significa formidável, maravilhoso, espantoso, terrível, amedrontador. Associado a sophistés, deinós é alguém que espanta e causa admiração por sua habilidade para inventar estratagema ou para argumentar.
Os sofistas eram peritos, especialistas na arte necessária aos membros de uma democracia: a arte da palavra. E cobravam pelos seus serviços. Seu profissionalismo foi duramente criticado por dois grupos: o grupo dos oligarcas ligados á aristocracia e o grupo ligado à Sócrates.
Eles ensinavam a arte de argumentar e persuadir. Essas técnicas eram fundamentais para o bom desempenho da cidadania ateniense. Os oligarcas diziam: ser cidadão é algo por natureza, a virtude cívica é inata. Os sofistas que eram estrangeiros não poderiam ensinar algo que já nascia com os atenienses. A real preocupação da aristocracia era perder espaço nas assembléias para as outras classes sociais já que agora elas poderiam discursar com mais propriedades nas assembléias, angariando votos e contrariando os interesses aristocráticos.
A crítica dos socráticos: os sofistas trabalham apenas com opiniões contrárias, ensinando a argumentar persuasivamente tanto em favor de uma como de outra, dependendo de quem está lhe pagando (seu ensino é apenas venal[4]), não importando e nem interessando a verdade (alétheia), que é sempre igual a si mesma e a mesma para todos. Sendo professores de opiniões (dóxa), oferecem um ensino prático, do qual pode retirar um proveito material. Recebendo dinheiro, o sofista perdia a liberdade de pensamento, sendo obrigado a conviver com quem quer que lhe pagasse e a ensinar o que lhe fosse exigido; mas a verdadeira sabedoria é algo que deve ser livremente compartilhado, e apenas entre amigos, entre os iguais, assim pensavam os socráticos.
O que traziam na bagagem:
1 – traziam todo o debate e toda a crise da filosofia decorrente das aporias criadas pela oposição irreconciliável entre o ser (eleata) e o devir (heraclitiano).
2 – os que viam da Jônia conheciam um saber também novo como a filosofia: a história, inventada por Heródoto de Halicarnasso. A história leva os sofistas à percepção das variações entre os povos, leis, costumes e idéias e a não dar valor absoluto aos costumes, leis e idéias dos gregos. Por isso estavam pouco dispostos a aceitar que costumes e leis fossem obra da natureza, pois a variação indica que são convenções humanas.
3 – o conhecimento sobre a medicina. Sabiam que a medicina se originara não de um presente dos deuses, mas de um esforço dos humanos que começara quando buscavam humanizar-se, diferenciando-se dos animais selvagens. A medicina é uma arte ou técnica fundada na observação e na experimentação. A medicina não separa corpo e alma, ela dá enorme importância à palavra, tanto para realizar a anamnese como para persuadir o doente a aceitar o tratamento e cooperar com a ação do médico, o qual, portanto, para agir sobre o corpo do paciente, precisa também agir sobre sua alma. Não por acaso, Empédocles, filósofo e médico, foi considerado o inventor da eloqüência. O modelo da medicina, particularmente as idéias da medida-moderação e da palavra doce e persuasiva do médico, será decisivo na formulação das idéias sofísticas.
4 – traziam a herança de alguns filósofos que haviam desenvolvido certos procedimentos de argumentação baseados na idéia de que ser, pensar e dizer são o mesmo. Heráclito e Zenão inventaram a dialética; Parmênides inventou a lógica; Empédocles inventou a eloqüência. Em suma, os pré-socráticos haviam desenvolvido, sem teorizar a respeito, maneiras de lidar com a linguagem ligadas á persuasão, à discussão, ao debate, à argumentação. Transformando essas maneiras em técnicas de linguagem, os sofistas chegaram a Atenas com os fundamentos da arte retórica na bagagem.
5 - trouxeram a técnica dos dissói logói – técnica de defender a favor de uma tese e logo depois defender contra a mesma tese. Transformaram a eloqüência em retórica, num combate de palavras.
Nómos e phisis
Os sofistas despertam nos atenienses um interesse maior pela dialética e pela retórica, as dúvidas quanto à pretensão da filosofia de conhecer a verdade última das coisas e as discussões sobre a diferença entre o nómos (a convenção, que depende de uma decisão humana) e a phýsis (a natureza, cuja ordem necessária independe da ação humana), optando pelo primeiro contra a segunda.
Nómos (a convenção acordada por um grupo e que se torna lei para esse grupo) deriva de nomós (divisão do território em distritos e regiões) e por isso seu primeiro significado é “aquilo que é atribuído numa partilha” e “aquilo de que se faz uso”;partindo deste último significado, nómos passa a significar os usos ou costumes, e daí, opinião geral ou máxima aceita por todos, o costume com força de lei ou a lei não-escrita, a lei costumeira.
A lei é por natureza ou por convenção? Em Atenas os oligarcas e os democratas eram partidos antagônicos, pois tais questões acirram suas rivalidades. Se a lei for por natureza (phýsis), não depende da decisão humana e é inviolável; se for por convenção (nómos), pode ser alterada e mesmo transgredida.
Os oligarcas acreditavam ser autóctones, nascidos da própria terra por obra da natureza, logo, as leis seriam naturais (phýsei). Dizer que um uso, um valor ou uma lei são por natureza é dizer que são necessários, absolutos, perenes[5] e, por isso mesmo, superiores ao que é por nómos, pois a vontade dos homens é variável, relativa e inconstante. Assim, os aristocratas podiam considerar suas leis superiores às da democracia, cuja origem humana todos conheciam.
Os sofistas defendiam o nómos dos democratas, pois eram formados no conhecimento da história e na explicação médica sobre o processo de humanização do homem por meio dos costumes. Afirmavam que o costume e a lei não-escrita não são por natureza ou naturais, mas são nómos, isto é, por convenção, e por isso relativos a cada sociedade. Tanto a aristocracia quanto, a democracia são convenções social e humana e não uma instituição natural ou divina.
Pensavam os sofistas: tudo é por convenção, tudo pode ser ensinado, o que seria impossível se já trouxéssemos em nós, de modo inato ou por natureza, todas as habilidades, leis, idéias, normas e costumes. Assim sendo, a virtude pode ser considerada uma convenção social. A areté é nómos e por isso pode ser ensinada.
A retórica
Para os sofistas a retórica é uma tékhne rhetoriké, é a arte de persuadir oferecendo as razões ou os argumentos e definições de uma coisa, tendo como base não o que a coisa seria em si mesma ou por natureza,
mas tal como ela nos parece e nos aparece e tal como nos será útil. Ou seja, a retórica parte de nossas opiniões sobre as coisas e nos ensina a persuadir os outros de que nossas opiniões sobre as coisas é a melhor. A arte de persuasão opera com o pressuposto de que as opiniões, porque são opiniões, são conflitantes e contraditórias e, portanto, para realizar-se, a persuasão precisa da dialética, isto é, do confronto de argumentos contrários, os dissói logói. A retórica, arte da persuasão, apóia-se na dialética, arte da discussão. A retórica é por excelência uma arte democrática que não se propaga numa tirania – a tirania impõe a opinião de um só; a retórica pressupõe o direito de todos à opinião. A tirania usa a força; a retórica, argumentos.
O que ensinavam:
Se designavam professores de dialética e retórica.
Com a dialética ensinavam: a dizer sim e não para a mesma questão. A defender e a atacar o mesmo assunto com argumentos igualmente fortes;
Com a retórica ensinavam: a encontrar expedientes[6] verbais e emotivos para fortalecer um argumento, fazendo-o melhor ou o mais persuasivo, superior aos de outros.
Os sofistas se interessavam pelos aspectos gramaticais e lógicos da linguagem e pela correção no uso das palavras para que a denominação das coisas fosse sempre correta e melhor.
1 - das idéias desenvolvidas pelos médicos: de que a persuasão deve atingir primeiro o sentimento ou o coração do ouvinte, e somente depois a razão.
2 - ensinavam a inventar ou encontrar figuras de linguagem poderosas – as metáforas;
3 – a falar: com ritmo (como os poetas); com graça (como os atores); e elegância (como os grandes políticos e magistrados)
4 – empregavam a música (tanto para ensinar o ritmo das palavras numa sentença como para acompanhar o discurso comovente)
5 – a dança (tanto para ensinar gesticulação e postura corporal como para acompanhar certos tipos de discursos)
6 – ensinavam exercícios para fortalecer a memória (pois um bom orador deve falar sem ler);
7 – ensinavam dicção (para que fossem bem entendidos por aqueles que os escutassem).
Os sofistas eram muito individualistas para admitir um mestre fundador, por isso não pertenciam a escola alguma. Tinham em comum as técnicas de argumentação, o profissionalismo, o convencionalismo e o ceticismo quanto à pretensão da filosofia de conhecer a phýsis como realidade originária e verdade última de todas as coisas.
Principais sofistas[7]:
Protágoras de Abdera, viveu entre 480-408 a.C.; Górgias de Leontini, viveu entre 483-375 a.C.;
Outros:
Antifon; Hípias de Elis; Pródico de Céos; Crítias; Licofon; Trasímaco de Calcedônia; Eutidemo e Dionisodoro (estes são os fundadores da erística[8])
Bibliografia
BÉRGSON, Henri. Cursos sobre a Filosofia Grega. SP. Martins fontes, 2005.
CASSIN, Bárbara. Ensaios sofísticos. SP, Ed. Siciliano,1990.
CHAUÍ, Marilena. Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. SP, Companhia das Letras, 2002.
Indicação de leitura:
ROMEYER-DHERBEY, Gilbert. Os Sofistas. Ed. 70. Biblioteca Básica de filosofia. Março 1999.
Site de Sebo Virtual, é sério, muito bom. Pode encontrar este livro (acima) com preço muito bom e em excelente estado de conservação . Recomendo:
[1] morfologia-> gram. Estudo da formação e da estrutura, da flexão e da classificação das palavras (Dic. Michaeles – UOL)
[2] sinonímia-> emprego de sinônimos (idem)
[3] tropos-> s.m. Gram. Emprego de palavra ou expressão em sentido figurado. (idem)
[4] venal-> que pode ser vendido (idem)
[5] perene-> que não tem fim; eterno, perpétuo (idem)
[6] expediente-> que facilita, meio de sair de um embaraço, de vencer uma dificuldade (Dic. Michaeles – UOL).
[7] as datas de vida e morte dos sofistas são imprecisas, cada autor coloca uma data distinta, logo essas datas são aproximadas.
[8] erística-> arte que tem por objetivo assegurar o triunfo na discussão, seja qual for a causa que se sustente (Henri Bergson, p. 260)
Um comentário:
Comentário com pelo menos um ano de atraso, nem sei se será lido, mas vale a pena: esse textinho me ajudou bastante, tá bem claro, objetivo, achei um bom roteiro! Obrigado e espero que chegue a lê-lo!
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